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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Garoto Cósmico "Fantoches"









Todos juntos...


Um pouco mais sobre o filme:

30.10.07

Revista Cinética

   

Garoto Cósmico, de Alê Abreu (Brasil, 2007)por Paulo Santos Lima


Sob a tenda de um circo

Na maior parte do tempo, os filmes de animação são valorizados na medida em que reproduzem “realisticamente” o mundo “real”. Esse “real”, no caso, é a própria gramática aplicada pelo cinema para construir sua diegese a partir do mundo em que vivemos. Assim, é comum que se arregale os olhos para os desenhos que conseguem simular os procedimentos concretos do exercício cinematográfico, como RatatouilleOs Incríveis e  Procurando Nemo (exemplos extraordinários, topo de linha, com reproduções estilísticas complexas, de decupagem do espaço a movimentos de câmera). Essa é uma estética contemporânea dos desenhos, seguida ou não pelos cineastas do mundo de hoje, e que conta sobre conteúdos já bastante comentados outrora: amizade, lealdade, perseverança, reorganização do caos.
Nesse cenário, Garoto Cósmico desponta como uma obra bastante interessante, na medida em que o diretor Alê Abreu opta por um traço retrô. O Yellow Submarine dos Beatles, dirigido por George Dunning, é uma proximidade – ainda que o longa de Abreu seja bem mais pé no chão, comportado, longe da deliciosa e iluminada viagem ácida desse filme de 1968. Assim, Garoto Cósmico pisa no terreno do infanto-juvenil dos anos 70, quando a TV Globo, por exemplo, juntava ingredientes da fantasia monteirolobatiana de Vila Sésamo reformatados num simulacro interessantíssimo do telejornalismo com o programa Globinho, e ainda adotava o lúdico da mímica genial de Juarez Machado no Fantástico. E é com Machado que o grande personagem do filme, Giramundos, assemelha-se fisicamente.
Com o circo servindo como referência vertebral aqui, está claro que Alê Abreu traz à tela parte de sua experiência pessoal, e, claro, um universo dos anos 70 (década em que o virtual ainda era uma ficção científica) que lhe diz respeito. A história passa-se em 2973, quando todos são guiados por uma espécie deinteligentsia, um deus-máquina onipresente que conduz todas as ações humanas, numa lógica infernal (e maquinal) em que a produtividade é o objetivo supremo. Numa galáxia cujos planetas dividem maciçamente funções sob nomenclatura disfarçada – planeta da 3ª idade (os fora do mercado de trabalho), planeta dos robôs (os produtivos), planeta das crianças (o condicionamento) -, a humanidade vive em estado zumbi. Não há como dissociar esse estado de coisas de THX 1138, primeiro longa de George Lucas (dos anos 70, aliás), e Alê Abreu faz um ótimo trabalho visual, em azul e branco e reproduzindo uma dinâmica de linha de montagem opressiva (notavelmente acentuada para um filme infantil).

Nesse ambiente, há três crianças que, buscando ganhar mais pontos (ganha-se pontuação através da produtividade – o que, no caso dos pirralhinhos, é seguir a pauta dada pelo Big Brother e estudar toda uma sorte de matérias tão pouco reflexíveis quanto inúteis), acabam saindo daquele sistema. Param num planeta que parece uma laranja, meio semelhante à Terra, solar, colorido, meio Beatles, e lá conhecem Giramundos (voz de Raul Cortez), dono de um circo que apresentará à trinca um novo estar no mundo: mais sensorial, reflexivo, lúdico, pulsante. O céu torna-se um lugar de visibilidade, com nuvens tomando formas diversas. O trem da trupe circense, que é uma negação ao maquinário automatizado dos outros planetas dominados pelo vilão, tem vagões temáticos ultra-criativos, bichinhos ganham novos papéis, tudo muito divertido.

Tudo isso nos é mostrado com um desenho de traço mais “duro”, antigão, sem texturas tridimensionais ou cores esfumaçadas, o que é bem interessante. Faltou, nesse momento, uma erupção dessa experiência dos personagens, com mais delírios, mais desdobramentos do repertório abrigado pelo circo Giramundos. Fazer o universo lúdico transcender como imagem, como simulação do imaginário infantil, como cinema. Mas seria injusto não ver o filme pelo que ele apresenta ao longo de sua projeção: um grande exercício que enreda o melhor das TVs educativas, os mais recentes Glub Glub e Castelo Rá-Tim-Bum, com as colinhas, purpurinas e tal dos anos 70, a franqueza com a qual ele se aproxima de um repertório que anda escasseando, o do circo (nos créditos, é dito “um espetáculo de Alê Abreu”). Mas, que fique claro: não é por essa “função” que Garoto Cósmico é um belo desenho – um filme não tem de ter uma função, mas simplesmente ser um filme, e a função fica para o uso que cada um quiser fazer do que assistiu na sala. É que Garoto Cósmico constrói um universo mais próprio, “meta-cinematográfico”, mais mundo e sua história recente, mas despretensioso, leve. Ou seja: mais duro (no traço), mas sem perder a ternura.


Um pouco mais sobre o talentosíssimo Alê Abreu:

http://aleabreublog.blogspot.com.br/p/biografia.html


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